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NOTÍCIA: Mostra Lona: Ocupando a arte

Durante a pandemia de 2020, um grupo composto por produtores, curadores e designers se reuniram voluntariamente para a criação da Mostra Lona. O projeto nasceu da união do MLB (Movimento de Lutas nos bairros, vilas e favelas) com o cinema. A mostra tem como objetivo divulgar curtas e longas metragens com temática ligada à luta de terras urbanas, rurais e indígenas. Além disso, busca afirmar a legitimidade do movimento de moradia, que muitas vezes é associado ao termo pejorativo invasão, subtraindo o direito de ocupação.

Na PUC, durante o seminário Cinema e Política, entre os dias 20 e 23 de setembro, foi apresentado um espaço dedicado à temática: Mostra Lona- Cinemas e territórios. O estudante de Cinema e Audiovisual Arthur Quadras conduziu o evento e contou o que esteve por trás da motivação do tema. A ideia era apresentar repertórios cinematográficos que contribuíssem para um debate em torno da política, principalmente levando em conta o momento de eleições nacionais. Durante os três dias de evento ocorreram exibições de filmes, conversas sobre as intenções da mostra e uma roda de conversa com participação aberta ao público.

Cristiano Araújo, organizador da mostra, cineasta e militante, conta que o projeto surgiu para concretizar uma vontade que já existia. O MLB já havia realizado sessões de cinema anteriormente, além de oficinas em parceria com outros projetos. Dessa forma, a proposta da Mostra era reunir essas atividades que já rondavam o movimento.

Para garantir a manutenção de um projeto assim, existe a necessidade de recurso de tempo, disponibilidade e força de trabalho. Segundo Cris, para suprir as demandas a Mostra depende de editais e parcerias. Porém, a ausência de políticas públicas para a cultura praticada pelo Governo Federal dificulta muito a manutenção da mostra e também da produção de novos filmes.

Cinema e a sociedade

As produções audiovisuais estão diretamente ligadas às dinâmicas políticas de uma sociedade. Para Arthur, isso acontece porque “tudo que conhecemos como forma de sociedade atual é fruto da convergência de diversas lutas”. Afinal, segundo ele, tudo é político. Assim, ele encara o cenário de forma que os filmes sejam responsáveis por criar identidades. Ou seja, o que é retratado nos filmes pode causar ao espectador um reconhecimento ao acessar suas lembranças ou causar um estranhamento do que é incomum a ele. “É justamente nesse jogo fundamental do cinema que o real e o insurgente atuam sobre as consciências de quem assiste”, completa o estudante.

Manoel Vieira é militante do MLB, e acredita que levar a cultura para dentro das comunidades faz com que o cinema volte a ser um direito de todos e não um privilégio. Também conta da satisfação que é ver a diferença causada pelo projeto, “é muito doido a gente chegar com uma tela, um projetor, uma caixinha de som e passar um filme e ver que as pessoas nunca tinham ido ao cinema, que as pessoas nunca tinham conseguido ter acesso a essas coisas, que são coisas básicas.” diz o militante.

Vieira explica que alguns dos motivos que fazem o cinema ser tão distante de certos grupos é a elitização. Além do fato de os ingressos para as sessões serem caros, a maioria das salas de cinema estão localizadas em shoppings e há dificuldade de mobilidade para chegar até esses lugares. Tudo isso torna essa distância entre periferia e a sétima arte cada vez maior.

Guerra de narrativas

As pessoas precisam morar em algum lugar e esse direito é garantido pelo artigo 6º da Constituição. Porém, nem mesmo durante o surto da COVID-19, onde vigorava a Lei ADPF 828, esse direito foi preservado. A Lei em questão suspendeu as ordens de despejo em razão da pandemia e ainda assim 27.618 famílias ficaram desabrigadas no período, segundo balanço da Campanha Despejo Zero. Vieira então levanta o questionamento: “se as pessoas deveriam ficar em casa e se cuidar, como é que elas ficam em casa se não tem casa para poder morar?”

Muito desse descaso em relação à luta por moradia se deve a uma forma de criminalização do movimento, segundo Vieira. Por possuir os meios de comunicação, a grande mídia tenta atribuir ilegalidade a movimentos como o MLB, adotando termos como invasão. Para ele, é importante retomar o nome ocupação, já que a lei é clara quando define o direito de ocupar espaços sem função social. É diante dessa guerra de narrativas que a Mostra Lona busca contar as histórias sob a ótica de quem está dentro das lutas.