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NOTÍCIA: Lula ganhou, e agora?

Os quatro anos de governo de Jair Messias Bolsonaro não serão facilmente esquecidos e suas marcas permanecerão por bastante tempo na sociedade brasileira. Lula tem pela frente a árdua tarefa de lidar com a polarização e um embate categórico com uma bancada no Congresso fortemente oposicionista. Sua eleição, porém, não deixa de ser uma vitória frente a um governo com tendências autocráticas que desmantelou boa parte dos dispositivos democráticos durante o último mandato presidencial. Além disso, a juventude brasileira mostra que desempenha um papel importante neste novo cenário.

Bolsonaro lidou de maneira desastrosa questões ambientais, como queimadas e desmatamento, sendo 2021 o ano com a maior área desmatada na Amazônia desde 2006 segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Também durante seu governo, Bolsonaro foi conivente com o polêmico “orçamento secreto”, que consiste no aumento da gestão de verbas públicas administradas pelo Congresso Nacional sem qualquer transparência na alocação desses recursos. Essa estratégia foi usada pelo então presidente como moeda de troca para conseguir apoio na Câmara e no Senado contra algum possível pedido de impeachment.

Sobre esse legado, Robson Sávio, que participa do núcleo de estudos sociopolíticos da PUC Minas, destaca os imensos desafios que o novo chefe do Executivo terá para recolocar o Brasil a uma posição de destaque internacional nas questões ambientais. “Ele dará uma atenção muito grande, inclusive para suprir uma expectativa Internacional em relação ao meio ambiente, floresta amazônica, os biomas brasileiros, a questão climática” afirma Robson se referindo ao recém eleito presidente Lula.

Robson também mostrou preocupação com o aumento da polarização política durante esses quatro anos, culpabilizando Bolsonaro por utilizar um discurso tomado de radicalização com sua base eleitoral, criando uma verdadeira guerra de influência entre ideologias rivais e instigando seus apoiadores a tratarem outros candidatos e seus eleitores como inimigos, estratégia comum a grande parte da extrema direita mundial. A professora da PUC Minas Helaine Sampaio já expõe certo otimismo a respeito da derrocada da polarização. Sim, a sociedade teve grandes cisões políticas, se dividindo praticamente meio a meio. Mas para a professora, Lula terá força para recuperar o diálogo com a sociedade civil, afinal isso faz parte das democracias contemporâneas.

Outra perda grande lembrada por Robson é o ideal do Estado de Bem Estar-Social e políticas de promoção da cidadania, sobre isso ele diz: “Talvez a uma síntese do que foi o governo Bolsonaro seja a destruição do ideal de um estado de bem-estar social, que é derivado do pacto da Constituição de 1988. E o que o Lula tentará fazer é justamente reposicionar o Brasil nessa perspectiva da construção de um estado de bem-estar social, onde caibam todas as pessoas, então, muito provavelmente ele tentará fortalecer as políticas públicas e sociais.”

Um aspecto que deve ser resolvido de forma instantânea quando Lula for empossado é o de consolidação das instituições democráticas. Durante todo o governo, Bolsonaro foi ríspido e até criminoso em suas declarações sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), causando crises com ministros do tribunal e colocando em risco a ordem entre os poderes da República. Robson explicou que isso não será um problema para Lula: “O Lula tentará uma relação bastante republicana com o STF. Como foi assim no seu antigo governo, não é? É uma relação de respeito aos poderes do Estado.”

Depois de 4 anos com intensas ameaças à democracia, a primeira consequência significativa do retorno de Lula será justamente “a retomada de um processo democrático normalizado”, segundo Helaine. Ainda mais significativo é a pluralidade das pessoas que elegeram Lula, não foi somente a esquerda e os movimentos sociais que fizeram isso possível, mas todo um corpo de sujeitos democráticos.

Congresso Nacional: o calcanhar de aquiles

Helaine chama atenção para o modo como a política é feita no Brasil. O chamado “Presidencialismo de coalizão” sugere que, ainda que eleito pela maioria da população, o governante nem sempre tenha essa maioria nas Casas Legislativas, na Câmara dos Deputados ou no Senado. Esse cenário implica que para o presidente eleito conseguir governar, precisa conciliar interesses com diferentes partidos. “Se não consegue fazer isso, é quase que ingovernável”, completa.

Em que pese a boa habilidade política de Lula e sua sinalização de uma frente ampla, ele enfrentará muita oposição. Isso porque o PL, partido do atual presidente conquistou muitas cadeiras no Senado, e embora não seja a maioria, têm a maior bancada se for considerar os partidos do centrão. Helaine prevê uma enorme pressão sobre o governo Lula.

Na política, o termo “fisiologismo” se refere a uma relação em que os partidos agem pela troca de favores ou favorecimentos, muitas vezes classificados como oportunistas. Por esse motivo, Helaine frisa que a oposição talvez não seja tão ferrenha. A maioria dos partidos se enquadram nessa definição, sem o caráter ideológico, costumam negociar com quem está no poder. Entretanto, ela destaca que as negociações costumam ser duras, envolvendo cargos e recursos. No caso do governo Lula, que prioriza muito o lado social e precisará de investimentos nessas áreas, as negociações podem comprometer a gestão.

Embora Helaine faça um alerta para conter as altas expectativas em relação ao novo governo, haja vista a longa lista de desafios, ela garante que “sem dúvida nenhuma, foi uma vitória da democracia que a gente espera que se consolide nesses próximos quatro anos”

O protagonismo da nova geração

Diante desse ciclo que começa, existe um grupo que desponta como forte ator político: os jovens. Além da proporção de jovens aptos a votar ter crescido substancialmente, mais de 80% deles afirmaram que iriam votar nas últimas eleições. Para Leonardo Soriano, Secretário Geral do DCE PUC Minas, o interesse desse grupo -mais especificamente dos estudantes- em uma participação política mais efetiva vem aumentando durante os últimos anos.

O interesse não é superficial, a nova geração parece saber a importância de se organizar coletivamente a fim de conquistar seus objetivos. Leonardo cita como exemplo que muitos estudantes da PUC Minas são filiados a algum partido ou entidades de representação estudantil. Essa organização interna fortalece a materialização de interesses mais concretos. Mas esse movimento no campo político não surgiu do vácuo, os governos anteriores tiveram forte participação nessa crescente. Segundo Leonardo, o contexto atual é fruto das políticas públicas de assistência, permanência e inclusão dos estudantes realizados nos mandatos anteriores.

Antes de especular sobre o futuro, essa configuração progressista da juventude já vem transformando a sociedade de acordo com Leonardo. A alienação política costuma ser um problema na nossa sociedade, por não se sentirem representadas ou desacreditarem dos processos políticos, as pessoas ficam alheias às discussões e debates, assumindo uma postura passiva. Por sorte, Leonardo comenta que os jovens “em sua maioria, estão conectados ao que está acontecendo ao seu redor, e isso é muito importante para a política.”

Entretanto, toda essa mobilização dos jovens junto à vitória da esquerda não garante que o país estará transformado no exato momento em que Lula receber a faixa presidencial, no dia 1° de janeiro. Na visão de Leonardo, “as ideias de Bolsonaro continuarão persistindo através de outros representantes’’.